Era uma vez um garoto que dormia. Nascera dormindo, e provavelmente morreria dormindo. Seus pais - indignados com tamanho grau de anormalidade - contrataram médicos, hipnotizadores, mágicos e curandeiros, na expectativa de que o filho abrisse os olhos cerrados. Todavia, após longos suspiros todos lamentavam: "O garoto só sabe... dormir..." Os dias dançaram com as noites, e após uma onda de desesperada agonia, o pai do garoto se viu com as mãos nas têmporas. Apelou como último recurso para um tocador de viola que morava sob a ponte oeste da cidade. Relutante, o maltrapilho aceitou o dinheiro, tirou da velha caixa a viola e rumou em direção ao quarto do desacordado. Entre a noite nublada, e sob a chuva que caía melódica sobre os telhados negros o garoto despertou, guiado pelo som descompassado da viola gasta. Tal como Cesare (o lendário sonâmbulo expressionista) o garoto manteve os olhos cinzentos abertos e a face inexpressiva; não disse uma palavra, tampouco mudou o semblante, que permaneceu impassível por meses. Parentes vieram de longe para testemunhar o grande acontecimento. Chocavam-se, no entanto, quando viam aquela face inexpressiva. Rezavam o Pai Nosso, e cabisbaixos seguiam as pegadas que os trouxeram. Só os pais do garoto pareciam sorrir diante do acontecimento. Talvez aqueles olhos abertos confortassem seus corações. Talvez preferissem um filho morto-vivo, sonhando acordado no mundo desperto a um filho adormecido, vivendo pleno no seu frágil mundo de sonhos...