
Ele contemplou solitariamente o abismo que o chamava, iluminado apenas por uma noite estrelada.
Ergueu o primeiro pé em direção ao vazio, e surpreso ficou ao sentir no braço um toque frio, uma mão a segurar com firmeza seu braço - não haveria queda, ela disse.
Rasgou-lhe a carne tenra na altura do tórax e coloriu os tecidos vermelhos com minúsculos pontos luminosos. Ele não entendeu a lógica do ato, um peito aberto e pó estelar a radiar dentro de si.
Teria caído em sono profundo, ou seu mundo sem sentido ganhara razão de ser ao descortinar-se descaradamente em tamanha insensatez?
Era ele o maior conhecedor de sua própria anatomia, e no entanto não sabia o que temer: a certeza do precipício a invadir-lhe os sentidos, ou o que ocorria bem acima dele.
Mas ela desapareceu, deixando não ameça à sanidade; deixou apenas seu rastro pálido e cheiro leve de almíscar, uma onda imaterial que fechou o corte dele e fugiu com som misterioso de quase-canção.
Ele observou o céu limpo, desejou ver estrelas faiscando naquele manto infinito. Não as enxergaria. E essa haveria de ser sua pequena maldição: que contemplasse noites estreladas como quem contempla o abismo de si mesmo.
Em seu peito agora habitava sua noite.
A real insensatez.