E uma página foi virada no velho livro de Destino...
14 DE MARÇO – Diário, a frase que não saiu da minha cabeça: “Encontraram o corpo ontem à noite...” Te explico, diário. Perguntei às garotas do 3º ano o que tinha acontecido. “Lembra daquele zelador que limpava as salas no ano passado? Aquele esquisito que parecia um zumbi... Encontraram o cara morto ontem à noite. Um dos policiais que arrombou a casa do cara é irmão da Sel, ficou horrorizado com a cena.” Eu perguntei que tinha de tão terrível assim num cara morto. Elas ficaram petrificadas: “Dizem que o cara tava trancado no quarto. Morreu em frente ao espelho, de sede, fome, essas coisas. O jeito que a Sel contou... o cheiro do quarto, a mãe do cara na cadeira de balanço, tinha morrido um tempo antes e o cara nem se importou... eu vomitei só de ouvir.” As garotas tavam muito abaladas, diário; a história era mesmo cabeluda. Que mundo maluco é esse?! Foi isso que eu pensei naquela hora. É estranho se você pára pra pensar. Num belo dia você acorda, olha tudo ao seu redor e tudo parece bem; você vai às aulas, vai ao cinema, dá uns amassos num cara gato que aparece e tá tudo demais. Daí você dorme e no dia seguinte você acorda, olha tudo ao seu redor e tudo é merda; não consegue entender a razão de ser de aulas com teorias ultrapassadas porque tudo parece sem importância, só encontra gente te encarando por onde passa e quando pensa que a vida não pode ficar mais estúpida você ouve dizer que um cara magrelo e esquisito que você sempre achou estranho morreu de um jeito bizarro.
16 DE MARÇO – A vida é uma merda, diário. Não aguento mais acordar e viver essa vida que eu levo. O tempo todo eu penso na minha irmã, nas cagadas que eu sempre faço. Por que eu sempre machuco as pessoas que eu amo? Onde tá o manual definitivo de sobrevivência?
19 DE MARÇO – Diário, é tudo muito sem sentido e banal. Bem-vinda ao mundo da histeria, é o que eu me digo todos os dias. Preciso sempre me lembrar que expectativas e otimismo barato são pros que adoram aquela maldita Pandora; e quando digo isso não me refiro aos pecados. Magnífico! Só não quero que contem comigo pra sacudir bandeiras brancas, já disse! Branco suja.
26 DE MARÇO – Choveu hoje, diário. O povo no colégio ainda só falava no zelador magricela e eu pensava na minha irmã que tá presa. Minha irmã, tão linda... machuquei tanto a minha irmã e chorei tanto, tive vontade de acabar com a minha vida quando vi os olhos dela, quando vi aquele vaso espatifando no chão. Eu não queria que as coisas tivessem sido desse jeito. Eu amo demais a minha irmã, e sentir a dor e a decepção naquele olhar... foi o pior momento da minha vida, diário. Ele tinha me embebedado, o noivo dela, e com aquele jeito de garanhão não resisti e fiz a maior burrada da minha vida. Ele pagou o preço, por ele e por mim e a polícia encontrou o quarto do motel todo ensanguentado. Chorei, não pelo desgraçado, mas pela minha irmã, pela loucura e desespero que tomaram conta dela. E tem gente que consegue ver sentido nas linhas...
7 DE ABRIL – Tinha ido ficar com umas tias por uns dias, mas não deu certo. Detesto aquela gente hipócrita. Fui então ficar com a minha avó por uns tempos, mas não conseguia ficar dentro de casa, tudo lá cheirava à alvejante. Numa das andanças reencontrei o Daniel. Tava lá na praça vendendo coca pros chegados dele. “Qual é a boa, menina?”, ele abriu um sorriso. Tudo na merda, Dani. Que mais eu podia dizer? Até a porra da cidade parecia concordar comigo naquela enxurrada. O Dani tava conversando com um loiro gatinho que parecia ser amigo dele. O loiro tava falando que não cheirava mais, que tava em outra. Eu ri e fui pra casa do Dani cheirar com ele.
10 DE ABRIL – Transei com o Dani numa escada, diário. E o mais louco é que eu me senti o tempo todo vigiada, como se nas escadas do prédio tivessem câmeras, tipo as de elevador, e o porteiro via tudo, me deu até uma piscadela na minha viagem paranóide, aquele velho pervertido.
13 DE ABRIL - Fui visitar minha irmã e ela tava pálida e não consegui olhar nos olhos dela. Senti o maior vazio da minha vida e se tivesse um pouco mais de coragem me atirava contra um carro.
15 DE ABRIL – Dani disse “eu te amo”, logo após cheirar uma carreirinha. Será que o “eu te amo” era pra mim ou será que era pra carreirinha? DúViDa CrUeL, diário...
18 DE ABRIL – Não era pra mim o “eu te amo”. Dani me disse que não queria mais. E eu tava com tanto tesão que até transaria com aquele loirinho que vi conversando com ele dias atrás. Tinha ido comprar uma revista e ele tava lá na banca comprando cigarros, parecia que nunca tinha visto um maço de cigarros na vida. O cara tava muito estranho, nem me reconheceu e foi embora no meio do chuvão que tava caindo. Vai entender...
2 DE MAIO – Finalmente, uma tarde linda. Hoje fui na Praça da Liberdade e fiquei sentada vendo um velhinho alimentando os pombos. Senti paz naquela praça. Mesmo quando começou a chover, mesmo toda encharcada eu tava em paz, e quando tava atravessando a rua pra voltar pra casa da minha avó, reparei numa menininha ruiva que tava num carrão com a mãe, ela não parava de apontar pra praça e quando olhei pra onde ela apontava vi uma porrada de borboletas voando perto do canteiro de lírios que tem lá. Foi lindo.
12 DE MAIO – Conheci um cara muito legal. É meio nerd, até demais pro meu gosto. Mas é legal. A gente se conheceu na biblioteca, tive que ir lá pegar um livro pra minha avó, ela gosta dos livros da Danielle Steel! Passei um carão porque a fila tava gigante e a mulher do balcão gritou na maior altura: “Esse livro da Danielle Steel, é você quem vai levar? Assine aqui, por favor!” Daí ele riu e me disse que já tinha passado por aquilo uma vez quando foi pegar A história sem fim. Ele adora esses livros, viajados demais pro meu gosto, ou infantis demais, mas não vou falar isso com ele porque tô realmente gostando do cara.
8 DE JULHO – Diário, não imaginei que pudesse me apaixonar e sentir o mundo tão bonito e bom. Até os problemas ficam mais suportáveis quando tô com o Douglas, e ele me anima sempre que tô pra baixo. A gente passa a tarde no quarto dele ouvindo The Clash e lendo as HQs malucas dele. Às vezes me pego observando ele quando tá lendo alguma coisa... é boa a sensação.
29 DE AGOSTO – Visitei minha irmã, ela parece melhor, fisicamente pelo menos. Eu pedi perdão, ela olhou pra mim, como se não me enxergasse e começou a chorar... Amo tanto minha irmã, diário...
11 DE SETEMBRO – O Douglas teve um sonho estranho, senti o suor dele na minha nuca. Continuo tão apaixonada.
14 DE SETEMBRO – Diário, tô ficando preocupada com o Douglas. Ele anda muito mal humorado e parece que não tira aquele sonho da cabeça. Chamei ele pra assistir algum filme no cinema, talvez ele fique mais animado.
14 DE SETEMRO – Diário, a vida é maluca demais. Lembra do que eu disse sobre a vida ser maluca, séculos atrás? É verdade! Num dia tá tudo na boa, noutro acontece alguma coisa do nada e pronto! Fomos no cinema, o Douglas tava animado demais, você tinha que ver. Queria porque queria assistir a um daqueles filmes velhos pra cacete que tavam sendo exibidos num cinema antigaço que eu nem conhecia, mas como eu queria muito que ele ficasse legal topei. O filme era um porre, aqueles filmes preto e branco que ninguém aguenta, tanto que o cinema tava vazio... ou quase. Tinha um cara, diário... um cara que morreu durante o filme... Eu fiquei aterrorizada, disse pro Douglas que o cara tava quieto demais, o filme já tinha acabado. Ele disse que o cara tava só dormindo, mas eu sabia que tinha alguma coisa ali. O cara não tava dormindo, diário. O cara não tava dormindo... Não entendo mais nada.
15 DE SETEMBRO – Diário, tô cansada de tentar entender. É tudo tão sem sentido! Nada faz sentido com nada e nada tem propósito, é como se não existisse nenhuma ligação... tudo suspenso, tudo assim, no ar... Queria saber até quando vai ser assim...
16 DE MARÇO – A vida é uma merda, diário. Não aguento mais acordar e viver essa vida que eu levo. O tempo todo eu penso na minha irmã, nas cagadas que eu sempre faço. Por que eu sempre machuco as pessoas que eu amo? Onde tá o manual definitivo de sobrevivência?
19 DE MARÇO – Diário, é tudo muito sem sentido e banal. Bem-vinda ao mundo da histeria, é o que eu me digo todos os dias. Preciso sempre me lembrar que expectativas e otimismo barato são pros que adoram aquela maldita Pandora; e quando digo isso não me refiro aos pecados. Magnífico! Só não quero que contem comigo pra sacudir bandeiras brancas, já disse! Branco suja.
26 DE MARÇO – Choveu hoje, diário. O povo no colégio ainda só falava no zelador magricela e eu pensava na minha irmã que tá presa. Minha irmã, tão linda... machuquei tanto a minha irmã e chorei tanto, tive vontade de acabar com a minha vida quando vi os olhos dela, quando vi aquele vaso espatifando no chão. Eu não queria que as coisas tivessem sido desse jeito. Eu amo demais a minha irmã, e sentir a dor e a decepção naquele olhar... foi o pior momento da minha vida, diário. Ele tinha me embebedado, o noivo dela, e com aquele jeito de garanhão não resisti e fiz a maior burrada da minha vida. Ele pagou o preço, por ele e por mim e a polícia encontrou o quarto do motel todo ensanguentado. Chorei, não pelo desgraçado, mas pela minha irmã, pela loucura e desespero que tomaram conta dela. E tem gente que consegue ver sentido nas linhas...
7 DE ABRIL – Tinha ido ficar com umas tias por uns dias, mas não deu certo. Detesto aquela gente hipócrita. Fui então ficar com a minha avó por uns tempos, mas não conseguia ficar dentro de casa, tudo lá cheirava à alvejante. Numa das andanças reencontrei o Daniel. Tava lá na praça vendendo coca pros chegados dele. “Qual é a boa, menina?”, ele abriu um sorriso. Tudo na merda, Dani. Que mais eu podia dizer? Até a porra da cidade parecia concordar comigo naquela enxurrada. O Dani tava conversando com um loiro gatinho que parecia ser amigo dele. O loiro tava falando que não cheirava mais, que tava em outra. Eu ri e fui pra casa do Dani cheirar com ele.
10 DE ABRIL – Transei com o Dani numa escada, diário. E o mais louco é que eu me senti o tempo todo vigiada, como se nas escadas do prédio tivessem câmeras, tipo as de elevador, e o porteiro via tudo, me deu até uma piscadela na minha viagem paranóide, aquele velho pervertido.
13 DE ABRIL - Fui visitar minha irmã e ela tava pálida e não consegui olhar nos olhos dela. Senti o maior vazio da minha vida e se tivesse um pouco mais de coragem me atirava contra um carro.
15 DE ABRIL – Dani disse “eu te amo”, logo após cheirar uma carreirinha. Será que o “eu te amo” era pra mim ou será que era pra carreirinha? DúViDa CrUeL, diário...
18 DE ABRIL – Não era pra mim o “eu te amo”. Dani me disse que não queria mais. E eu tava com tanto tesão que até transaria com aquele loirinho que vi conversando com ele dias atrás. Tinha ido comprar uma revista e ele tava lá na banca comprando cigarros, parecia que nunca tinha visto um maço de cigarros na vida. O cara tava muito estranho, nem me reconheceu e foi embora no meio do chuvão que tava caindo. Vai entender...
2 DE MAIO – Finalmente, uma tarde linda. Hoje fui na Praça da Liberdade e fiquei sentada vendo um velhinho alimentando os pombos. Senti paz naquela praça. Mesmo quando começou a chover, mesmo toda encharcada eu tava em paz, e quando tava atravessando a rua pra voltar pra casa da minha avó, reparei numa menininha ruiva que tava num carrão com a mãe, ela não parava de apontar pra praça e quando olhei pra onde ela apontava vi uma porrada de borboletas voando perto do canteiro de lírios que tem lá. Foi lindo.
12 DE MAIO – Conheci um cara muito legal. É meio nerd, até demais pro meu gosto. Mas é legal. A gente se conheceu na biblioteca, tive que ir lá pegar um livro pra minha avó, ela gosta dos livros da Danielle Steel! Passei um carão porque a fila tava gigante e a mulher do balcão gritou na maior altura: “Esse livro da Danielle Steel, é você quem vai levar? Assine aqui, por favor!” Daí ele riu e me disse que já tinha passado por aquilo uma vez quando foi pegar A história sem fim. Ele adora esses livros, viajados demais pro meu gosto, ou infantis demais, mas não vou falar isso com ele porque tô realmente gostando do cara.
8 DE JULHO – Diário, não imaginei que pudesse me apaixonar e sentir o mundo tão bonito e bom. Até os problemas ficam mais suportáveis quando tô com o Douglas, e ele me anima sempre que tô pra baixo. A gente passa a tarde no quarto dele ouvindo The Clash e lendo as HQs malucas dele. Às vezes me pego observando ele quando tá lendo alguma coisa... é boa a sensação.
29 DE AGOSTO – Visitei minha irmã, ela parece melhor, fisicamente pelo menos. Eu pedi perdão, ela olhou pra mim, como se não me enxergasse e começou a chorar... Amo tanto minha irmã, diário...
11 DE SETEMBRO – O Douglas teve um sonho estranho, senti o suor dele na minha nuca. Continuo tão apaixonada.
14 DE SETEMBRO – Diário, tô ficando preocupada com o Douglas. Ele anda muito mal humorado e parece que não tira aquele sonho da cabeça. Chamei ele pra assistir algum filme no cinema, talvez ele fique mais animado.
14 DE SETEMRO – Diário, a vida é maluca demais. Lembra do que eu disse sobre a vida ser maluca, séculos atrás? É verdade! Num dia tá tudo na boa, noutro acontece alguma coisa do nada e pronto! Fomos no cinema, o Douglas tava animado demais, você tinha que ver. Queria porque queria assistir a um daqueles filmes velhos pra cacete que tavam sendo exibidos num cinema antigaço que eu nem conhecia, mas como eu queria muito que ele ficasse legal topei. O filme era um porre, aqueles filmes preto e branco que ninguém aguenta, tanto que o cinema tava vazio... ou quase. Tinha um cara, diário... um cara que morreu durante o filme... Eu fiquei aterrorizada, disse pro Douglas que o cara tava quieto demais, o filme já tinha acabado. Ele disse que o cara tava só dormindo, mas eu sabia que tinha alguma coisa ali. O cara não tava dormindo, diário. O cara não tava dormindo... Não entendo mais nada.
15 DE SETEMBRO – Diário, tô cansada de tentar entender. É tudo tão sem sentido! Nada faz sentido com nada e nada tem propósito, é como se não existisse nenhuma ligação... tudo suspenso, tudo assim, no ar... Queria saber até quando vai ser assim...
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E em seu imenso jardim, onde as trilhas se bifurcam em maestria simétrica, onde tudo se encontra e tudo se perde, Destino dos Perpétuos virou mais uma página de seu grande livro...