
Entrou no supermercado, comprou arroz pronto, feijão enlatado, beterrabas, alface crespa e algumas garrafas de cerveja em promoção, e enquanto enfrentava a fila (a fila que movia toda uma vida), agia como se não fosse, ou melhor, como seria; como se estivesse fazendo as compras do dia, compras de quem detém nos sapatos a certeza dos passos, de quem faz sua própria comida, de quem sai do trabalho, passa no supermercado para fazer pequenas compras e depois volta para casa, o seu refúgio urbano, onde espera um cão ou amigos ou uma paixão de verão... onde algumas luzes vão se acender, onde se farão os sons, o jazz dançante da Atlantic Records ou as verdades pop de quem canta o que sabe. E por algum tempo as cerimônias e rituais cotidianos vão se justificar, não porque sejam bons e satisfaçam a todos que caminham por aí, mas porque resultaram naquela noite, em que um disco tocaria no aparelho, luzes brincariam com cartazes nas paredes pintadas, e comida seria preparada sem destreza, para uma boca ou duas ou três... para quantas bocas quisessem se aventurar. E mesmo assim haveria solidão, mas haveria menos frustração, porque um pequeno prazer seria realizado - um balão vermelho que seria resgatado antes que alcançasse a janela aberta, antes que se perdesse na imensidão aveludada do céu.