
Esse ano que passou teve cheiro de morte - morte semântica, morte quântica; do verbo à entonação. Não foi aleatória a escolha do meu bolo imaginário, tampouco as lembranças em honra à Ceifadora, amante dos musicais hollywoodianos...
O tempo escorre em grãos, em uma ampulheta que atinge a todos nós, dos megalomaníacos aos indulgentes, dos que crêem aos que simplesmente esperam; esperam que a vida seja algo que ela não é. É fácil esquecer que a vida é como estrada, dona de si, incerta em suas rotas de mil possibilidades, impávida em sua condição de Ser mais que todos nós, pequenos, já cansados de procurar as respostas fechadas nas nossas mãos. Difícil é aceitar a sua grandeza, e ira, os seus mistérios, e irreversibilidade.
Senti o peso da vida, sentado num banco polido de cemitério. E senti o peso da morte, já que a morte é o combustível da vida. E refleti não sobre a morte em seu estado literal, diante dos meus olhos em veste de madeira e cetim, e sim sobre as pequenas mortes, as que dificilmente enxergamos em meio ao concreto da cidade e os sonhos partidos. E abracei de vez a minha inabilidade para com as grandes questões.
Aceitei que sou um homem de pequenos prazeres e miudezas. Que eu continue não sabendo o que vou querer fazer amanhã, mas que a chuva não pare de cair quando eu preciso chorar e não consigo; que eu continue errante, na contramão do que sonham pra mim, mas que eu não esqueça da noite em que eu pensei estar sozinho na sala de cinema, depois de assistir o musical do Cole Porter, e eu não estava: "Esse filme mexeu muito comigo, sabia? Quando eu era criança, minha mãe me fez aprender piano, e a primeira música que eu toquei foi Begin the beguine..."
Que eu continue desejando estradas ao invés de paredes.