domingo, 17 de agosto de 2008

Chuva e música, num dia de esquecimento...


Para Mary Jane...

Ela corria! Ela corria e não sabia por quais motivos corria. "Será que está sendo perseguida?", indagavam as pessoas por baixo de seus guarda-chuvas gigantescos. Ninguém poderia saber; ninguém que não estivesse em sua pele, em seus cabelos longos, em seu olhar assustado. A lua estava alta, os prédios escuros, o ar cinzento impregnava seu cheiro de cidade em cada pedaço de concreto, cada janela fechada, cada tijolo manchado. Os prédios eram altos como são em todas cidades imensas e solitárias, e das janelas embaçadas vinham luzinhas fracas e amarelas, como se todos daquela cidade tivessem decido juntos acender velas em seus pequenos quartos. Ela parou de correr, a chuva pareceu mais fraca (ela arfava). Encarou o discman redondo - à prova d'água, pensou ela num sorriso triste. E ainda tinha o sistema anti-choque, o bendito sistema anti-choque que não deixaria as faixas do CD pularem na correria; aquele era definitivamente o seu discman. Ouvia sempre a mesma música, não sabia desde quando, sabia apenas que aquela era a música e outra, qualquer que fosse, não seria aquela:

I'm not sure what
I'm looking for anymore
I just know that I'm harder to console
I don't see who I'm trying to be instead of me
But the key is a question of control

Can you say what you're trying to play anyway
I just pay while you're breaking all the rules
All the signs that I find have been underlined
Devils thrive on the drive that is fueled

All this running around, well it's getting me down
Just give me a pain that I'm used to
I don't need to believe all the dreams you conceive
You just need to achieve something that rings true

There's a hole in your soul like an animal
With no conscience, repentance, oh no
Close your eyes, pay the price for your paradise
Devils feed on the seeds of the soul

I can't conceal what I feel, what I know is real
No mistaking the faking, I care
With a prayer in the air I will leave it there
On a note full of hope not despair

All this running around, well it's getting me down
Just give me a pain that I'm used to
I don't need to believe all the dreams you conceive
You just need to achieve something that rings true

All this running around, well it's getting me down
Just give me a pain that I'm used to
I don't need to believe all the dreams you conceive
You just need to achieve something that rings true

Sabia que precisava fugir. Que ninguém entendesse por que fugia, que ela própria não entendesse, mas que a chuva nunca deixasse de cair e que a música nunca parasse. Encarou os prédios escuros, as luzinhas fracas, e soube que naquela escuridão não encontraria o que buscava, não ali entre prédios escuros e vapores suburbanos. Fechou sua jaqueta e tremeu ante o frio. Dedilhou os cabelos da cor do fogo e sentiu a agonia da fuga - fugia, mas isso não queria dizer que ela gostava de fugir. O chão molhado a fez lembrar de noites coloridas, em que dissera "eu te amo" vezes sem conta e perdera-se no amor quando pensou conhecê-lo - ela sabe agora o quão tolo é buscar algo que não compreende, mas a dor sempre machuca e a vida é o que é. Fechou-se buscando crisálida, abriu-se buscando extremos e machucando-se como os anjos caídos encontrou faces, sorrisos e lágrimas. Pessoas vieram, pessoas partiram, ciclos se completam e às vezes as coisas parecem maiores do que realmente são (ou não?). A música pode ser orgásmica e os sons podem transformar montanhas, ela dizia isso e tinha medo de toda essa intensidade. Seremos todos feitos de sonhos ou serão os sonhos impossíveis? Indagava, indavaga e as noites eram estrelas. Tirou do gancho o telefone público, inseriu o cartão e pressionou as teclas apagadas enquanto olhava a pintura de um anjo alado, feito de ossos e tinta; a borboleta azul parecia lutar contra a vidraça, como se o ateliê fosse sua prisão e não a tela. Estou mal, ela disse. "O que aconteceu?", perguntou a outra voz. Descontroladamente ela desligou e soube que precisava fugir dali! Abriu o discman e passou levemente o dedo indicador sobre o CD - gostava de sentir a superfície dos CDs, conseguia captar dali a microvibração da música, era o que achava, era a sua verdade. Fechou o discman, ligou-o e correu ao som de Depeche Mode...