
Sou completamente apaixonado por road-movies. A simples idéia de viajar para encontrar o ponto de partida sempre me deixou fascinado, esse ato impulsivo de pegar a estrada sem destino e descobrir que o essencial estava lá o tempo todo. Ou não.
À princípio, pode parecer perda de tempo uma viagem que resulta na constatação de que as certezas buscadas estavam bem diante dos olhos, já que as estórias de estrada geralmente discursam sobre auto-conhecimento. E se o aventureiro em questão está fugindo, essa idéia pode parecer ainda pior: você viaja para fugir de si mesmo; muda-se o cenário e você continua consigo.
Mas, e se a jornada revela mais que a sua consciência de Ser? E se o fim deixa de ser o objetivo, passando a ser a busca contida em si mesma?
A cada despertar escrevemos uma página da nossa estória, nossa inimitável saga particular. Jung e sua teoria a respeito dos arquétipos não me parece balela, tampouco Joseph Campbell e sua Jornada do Herói. E é muito excitante pensar que a viagem pode ser ainda mais poderosa quando se torna literal; a estrada como percurso, o carro envenenado como asas, os encontros inusitados como personificação da vida... são signos muito charmosos, não importa se o objetivo é cruzar o Texas driblando a polícia ou levar a filha caçula para o concurso de Miss Sunshine.
A rotina não se reduz aos horários e afazeres. A rotina atinge também as relações, a forma como enxergamos cada amanhecer, cada anoitecer, e o que acontece entre eles. A rotina é como uma pequena ferida que não se nota até a infecção. Nada melhor então que preparar a mochila, escolher a trilha sonora e afundar o pé no acelerador, deixando para trás o cenário da mesmice.
Não há como fugir de si mesmo, mas há como respirar novos ares, e trocar a poeira dos móveis antigos pela poeira fresca de uma estrada inusitada.
Acho que vou escrever um road-book, um road-book com caminhoneiras estupradoras, animais falantes, existencialismo-de-boteco e Rita Lee. E quando perguntarem se me inspirei em Jack Kerouac direi: Não. Minha inspiração é o Rei Roberto e seu calhambeque envenenado.